domingo, 12 de julho de 2015

Memento Mori - Um Ensaio para a Morte - Inspirações

"Pois há diversos tipos de morte. Em algumas, o corpo é preservado; em outras desaparece, junto com o espírito. Geralmente isso ocorre quando o indivíduo está só (esta é a vontade de Deus) e, como não nos é dado conhecer o fim, dizemos que o homem desapareceu, ou que se foi numa longa jornada — o que é verdade. Mas, às vezes, o fato ocorre diante da vista de muitos, como provam vários testemunhos. Num determinado tipo de morte o espírito também morre e sabe-se de casos em que isso aconteceu quando o corpo ainda continuaria vivo por muitos anos. Em outras vezes, como tem sido provado, o espírito morre com o corpo, mas algum tempo depois volta a erguer-se, naquele mesmo lugar onde o corpo se decompôs." (AMBROSE BIERCE - Um Habitante de Carcossa)


"Devo confessar que a singularidade desses três velhos pensionistas a quem a proprietária encarregara de cuidar do castelo e a mobília antiquada da sala do zelador na qual eles haviam anteriormente se reunido afetou-me, a despeito de meus esforços em manter minha frieza de espírito. Eles pareciam pertencer a uma outra era, uma era remota, quando as coisas espirituais eram diferentes das nossas, menos claras; uma era em que se acreditava em presságios e em bruxas — e acima de tudo em fantasmas. Sua própria existência era espectral; o corte de suas roupas, estilos nascidos de cérebros mortos. Os ornamentos e objetos úteis da sala a sua volta eram fantasmáticos — pensamentos de homens desaparecidos, que ainda assombravam, mais do que dele participavam, o mundo de hoje. Mas com um esforço consegui despachar tais pensamentos. O corredor subterrâneo, comprido e atravessado de correntes de ar, era gelado e empoeirado, minha vela tremulava e fazia as sombras tremerem e se agitarem. Os ecos soaram acima e abaixo da escada em caracol, e uma sombra veio de baixo, velozmente em minha direção e outra correu à minha frente, para a escuridão acima. Cheguei ao patamar e parei ali por um instante, à escuta de um farfalhar que imaginei ter ouvido; então, convencido pelo silêncio absoluto, abri a porta com a baeta, detive-me no corredor." (H.G. WELLS - O quarto vermelho)



"Ela esperou até que seu marido e as crianças estivessem a floresta nevada, e encerrou tudo. Ela queria que a dor parasse. A dor no coração. Ela adormeceu no caminho para a morte, acordando apenas quando a patrulha rodoviária encontrou seu corpo. Ela estava fria, rígida, congelada, quando a encontraram. "Uma pessoa assim...", disse a policial. "Você pensa que tem todos os motivos do mundo para viver." Ela tentou falar, contar que foi isso mesmo que tornou a dor insuportável, mas, como alguém preso num pesadelo, não conseguia ser ouvida. Ela gritou e nenhum som saiu. Ela observou seu corpo ser levado. Ela sentou ao lado da entrada, na neve. Sem corpo e amedrontada, esperando a felicidade começar." (NEIL GAIMAN - 15 Retratos de Desespero - Sandman - Noites Sem Fim)









"As cavernas mais inferiores não são para a compreensão dos olhos que vêem; pois suas maravilhas são estranhas e terríveis. Amaldiçoado o chão onde pensamentos mortos vivem em novos e estranhos corpos, e maligna a mente que é mantida por nenhuma cabeça. Como Ibn Schacabao sabiamente disse, feliz é a tumba onde nenhum mago foi sepultado, e feliz é a cidade onde, à noite, todos os seus magos são cinzas. Pois é um velho rumor que as almas dos levados pelo demônio não se precipita dos restos de sua carne, mas engorda e instrui o próprio verme que a mastiga; até que da decomposição surge uma vida horrenda, e os estúpidos escavadores da cera da terra astutamente se mobilizam para criar monstros para nos afligir. Grandes buracos são cavados secretamente onde os poros da Terra deveriam bastar e as coisas que deviam rastejar aprendem a andar." (H.P. LOVECRAFT - O Festival)




"Na escura casa da fazenda, os morcegos passavam a noite esvoaçando das paredes para a cumeeira. Eu me encolhia tremendo no fundo da rede, escutando o ruflar solerte das asas de um lado para o outro; puxava as bordas da rede sobre mim, mas aí vinha o temor de que os dentes perfurassem o pano grosso, cravando-se nas minhas costas. Um dia me disseram que o morcego era um rato de asas. E nas noites seguintes, quando o medo recrudesceu, imaginei as trevas do quarto sendo invadidas por um enorme gato alado que me libertaria dos pequenos vampiros; imaginei a caçada feroz dentro do casarão, os pequenos corpos negros, estripados, caindo ao chão com um baque surdo. E pensei: extintos os ratos, ficará o gato, como uma onça esvoaçante, farejando mais sangue; e aí terei que sonhar um cachorro também alado e também feroz; e depois outro monstro ainda maior, e outro ainda mais monstro; e as feras cumprirão o seu destino carnívoro de feras, e eu ficarei no escuro fundo da rede, como uma velha a fiar pesadelos." (BRAULIO TAVARES - Malassombrado)




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